Regresso ao passado: Lancia Delta Integrale Evoluzione
Filho da competição, o Delta Integrale Evoluzione é um carro desejável, caro e que é perfeito para um “petrolhead” (vá lá, louco por carros): tens mais defeitos que virtudes, mas é impossível não adorar este italiano.
Nos anos 80, a iniciativa da Audi em lançar o Quattro e ter sucesso na competição, originou uma febre de tração integral que deu origem a carros como o Porsche 959, o Ford Sierra XR4x4, VW Golf Rally ou o Citroen BX GTI 4×4. A dominadora do Mundial de Ralis acabou por apanhar o “vírus” da tração integral, não por contaminação direta, mas por exigência da competição. Assim nasceu o Lancia Delta HF 4WD em 1986, para que a equipa Lancia Martini pudesse continuar no Mundial de Ralis perdido que estava o S4 do Grupo B, devido a decisão da FISA após o acidente de Joaquim Santos no Rali de Portugal de 1986, ao volante do Ford RS200 da Diabolique, no Rio da Mula, Sintra.
Ao contrário do ditado popular “saiu melhor que a encomenda” (que quer dizer que o resultado foi pior que o esperado), o Lancia Delta HF 4WD foi mesmo melhor que o desejado, competitivo como poucos nos ralis mundiais, partindo de uma base humilde e sem grande interesse.
Sim, foi desenhado por Giorgetto Giugiaro, mas poderia ser filho da Pininfarina. Não era e o estilo “caixote” sem os faróis duplos redondos e as jantes de liga leve com furos redondos, tinha mesmo pouca piada. Tudo melhorou com as versões Integrale de 8 válvulas e depois o 16 válvulas, que ganhou uma bossa no capô porque, simplesmente, não havia espaço para encaixar tudo o que era necessário. Etretanto, já tinha engordado com amplos alargamentos das cavas das rodas e uma asa traseira regulável. Tudo para satisfazer as necessidades da competição. Felizmente, as evoluções que foram sendo feitas tornaram-no mais sedutor e a capacidade técnica dos homens da Abarth e da Lancia, fez do Integrale o carro de quatro rodas motrizes mais divertido de conduzir. Incluindo nesta lista o “pai” Audi Quattro, o Lancia Delta Integrale é, para mim, o melhor carro desportivo de quatro rodas motrizes. São poucas virtudes, mas que superam, largo, os defeitos.
O carro é desconfortável, acanhado, a qualidade de construção é apenas uma ideia, a fiabilidade dependerá, sempre, da utilização e da quantidade de tempo que deseja passar na oficina a verificar tudo e mais alguma coisa. Mas isso não são, no meu ponto de vista, defeitos. É carácter!
Um Lancia Delta Integrale Evolution é um verdadeiro “Dr. Jekyl & Mr. Hide”: é um carro focado na precisão e na eficácia, mas parece que não tem as aptidões para isso ao olhar para o volante, a alavanca da caixa ou os forros das portas. O motor tem um ruído cru, sem refinamento algum, com as válvulas a bater “clac clac clac clac”, mas quando aceleramos, parece possuído, tal a capacidade de nos colar as costas ao banco com o silvo do turbo a marcar o compasso.
O volante Momo, fininho e de aparência frágil (é mesmo, mas aguenta-se) controla uma direção absolutamente precisa, direta e que comunica de forma perfeita com o condutor. Talvez um dos melhores sistemas de direção de sempre, cortesia da competição. Usar a caixa é um regalo, pois se á memória vem a ideia das caixas Fiat molengonas, de comando aborrachado e perfeitamente impreciso, no Delta Integrale Evoluzione tudo é preciso, direto e eficaz.
E que dizer do comportamento? Apesar de ter uma frente comprida e com o motor inclinado para diante, o comportamento é fabuloso e a aderência das quatro rodas brilhante, cortesia do diferencial Torsen.
O Audi Quattro é um carro onde a precisão é um eufemismo: para andar depressa, a brutalidade é essencial, apontamos o carro e esmagando o acelerador, deixamos que o carro resolva o resto. Mas não vale a pena balançar, travar tarde – a saída de frente é inevitável – ou tentar rodar a traseira.
O Lancia Delta Integrale Evoluzione é um regalo para quem ama conduzir depressa – e sabe o que está a fazer, claro – pois a aderência é enorme, porém, o Lancia agarra-se á estrada apenas o necessário para controlar a forma como escorrega ás quatro rodas e como se enrola na trajetória em redor da curva, seja mais aberta ou mais fechada.
Não tem aquela aderência que faz o carro andar sobre carris sem nenhuma emoção (e que quando algo falha, o despiste acontece a velocidades muito elevadas), mas sim a necessária para sermos rápidos a saltar de curva para curva. A repartição fixa 43/57% do binário entre o eixo dianteiro e o eixo traseiro, é perfeita e qualquer estrada se transforma num troço do Mundial e acabamos, sempre!, com um sorriso nos lábios.
Sim, é verdade que o conforto é um conceito que não se aplica ao Delta Integrale e que estradas em mau piso são mais desafiadoras, pois o acerto do chassis e das suspensões, transforma o Lancia num perdigueiro, sempre a “farejar” a estrada, “lendo” cada irregularidade.
E o que é mais fascinante é que nas quatro evoluções do carro – Lancia Delta Integrale 8V, Integrale 16V, Deltona e Deltona Evo – as sensações são, mais ou menos as mesmas, a única diferença é a violência com que o carro dispara de curva para curva. O primeiro Integrale tinha o motor do Thema com 190 CV, depois chegou o 16V e subiu para os 200 CV e em 1991 chegou o mesmo quatro cilindros, mas com 210 CV. Finalizou com o Evo com 215 CV e jantes de 16 polegadas, um exagero para a época.
O Delta Integrale ganhou comparativos em toda a Europa, mesmo contra carros muito mais potentes e, no papel, melhores que o Lancia.
É um carro icónico que nunca mais teremos a oportunidade de ver nascer mais uma vez. A precisão, a velocidade em curva, o divertimento, enfim, o prazer, o verdadeiro prazer de condução de um Delta Integrale, seja ele qual for, é único e até hoje inimitável. E pensar que tudo começou com um carro absolutamente banal, que hoje nas versões 1300 ou 1600 e até o HF Turbo (perfeitamente desequilibrado por ter apenas tração dianteira) é altamente valorizado.
Todos querem um Evoluzione 2, pois é o mais icónico, o mais recente (esta quase a fazer 30 anos) e o mais potente. O preço é de loucos e andam por aí alguns a custar quase 50 mil euros, com o Futurista, uma edição especial de apenas 20 unidades com motor de 330 CV e apenas 1250 kgs de peso, que vale quase 300 mil euros. Os Integrale mais velhos, já passaram os 30 anos e encontrar um em boas condições não é tarefa fácil. Há sempre duas opções: ou gasta muito dinheiro num carro impecável (aparecem alguns em leilões) ou então arrisca num limão e gastará o mesmo ou mais dinheiro para o colocar em estado impecável. Será uma questão de prazer pessoal…
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