Lancia Delta: o ícone dos ralis chega aos 40 anos
Longe vão os tempos de glória de uma marca que através da competição conseguiu fazer de um carro banal um ícone da indústria automóvel. A marca é a Lancia, o modelo, o Delta. Parabéns!
Tudo começou com o lançamento em 1979, no Salão de Frankfurt, de um carro conhecido internamente como Tipo 831, desenhado por Giorgetto Giugiaro e que foi Carro do Ano em 1980. O código de desenvolvimento era o Y5 e tinha como missão mudar a identidade da marca, de uma especialista em ganhar ralis e mundiais da especialidade, para uma marca de volume e, assim, encarar o cada vez maior número de rivais. Na gama da casa italiana, estava abaixo do maior Beta, sendo na época o regresso da Lancia aos modelos mais compactos (4 metros) depois do desaparecimento do Fulvia de quatro portas em 1973.
A plataforma do Delta usava as mesmas suspensões do Beta e motores de quatro cilindros do Fiat Ritmo, mas revistos pelos engenheiros da Lancia que lhes aplicavam carburadores Weber, novos coletores de admissão, sistema de escape revisto e nova ignição. Ou seja, quiseram tirar a Lancia dos ralis, não conseguiram tirar os ralis à Lancia…
Para a época, o Delta era um carro avançado: suspensões independentes nos dois eixos, direção de pinhão e cremalheira, ar condicionado como opção, banco traseiro rebatível em duas partes, banco do condutor regulável em altura. A Lancia reclamou, na época, que os para choques feitos em três partes e em resina de poliéster, eram uma estreia na indústria automóvel.
A Lancia recorreu à Saab para desenhar a climatização do Delta e, também, na proteção contra a ferrugem da carroçaria do Lancia. Isto porque na época, os carros do grupo Fiat tinham uma reputação complicada neste particular. Já agora, dizer que foram os técnicos da Saab que convenceram os rapazes da Lancia a prolongar até ao para choques a abertura da tampa da mala, oferecendo maior versatilidade.
O Delta conheceu três gerações e, curiosamente, quando faz 40 anos, está nos cuidados intensivos e próximo da extrema unção. Uma pena que a FCA esteja a delapidar, há anos, uma marca que continua a ser falada pelos “petrolhead” (ou amantes do automóvel) e com tão rica história na competição automóvel, nomeadamente, nos ralis. Fica esperança que Carlos Tavares, assim que for confirmada a fusão PSA/FCA, salve a Lancia do seu fatídico destino.
O protótipo Y5
A Lancia foi comprada em 1969 pela Fiat, numa altura em que os alemães começavam a tirar a cabeça do atoleiro deixado pela Segunda Guerra Mundial. Os anos 70 marcaram o aparecimento de vários automóveis que poderiam surgir no “Hall of Fame”, entre eles do VW Golf. Ora, a Fiat não podia deixar o Golf, lançado em 1974, continuar a ganhar popularidade sem resposta italiana. E nada melhor que contratar quem desenhou o VW Golf para fazer um carro que fosse capaz de enfrentar o carro alemão. Seria o projeto que atirava a Lancia para os anos 80. Chama-se Y5, tinha como pressupostos ter quatro portas, ser tecnologicamente avançado e proporções semelhantes ás do Golf. Giorgetto Giugiaro, que tinha feito o Golf, desenhou um carro compacto, com as rodas nos quatro cantos e linhas direitas com várias ligações a outros modelos da casa de Turim. Os responsáveis da Lancia determinaram que o carro deveria ter tração dianteira (a Lancia tinha conhecimentos abundantes nessa área) e não haveria uma versão de duas portas. O Delta poderia ter sido, ainda, mais vanguardista se os homens da Lancia tivessem aceite a proposta de Giugiaro de fazer o banco traseiro deslizar sobre calhas, oferecendo a possibilidade de ganhar espaço para as pernas ou na bagageira. Foi recusado devido ao aumento dos custos…
O Delta apresenta-se
A estreia do Delta deu-se, como referimos, no Salão de Frankfurt e o carro surgiu pouco modificado face ao desenho de Giugiaro, com o modelo de entrada na gama a ter um bloco de 1.3 litros com 78 CV e um 1.5 litros com 85 CV. Os elogios ao estilo foram muitos, o Delta bateu o Opel Kadett D e o Peugeot 505, confortavelmente, no Carro do Ano 1980 e o equipamento oferecido de série destacou-se de forma indelével.
Muitos podem não saber, mas o Delta teve um primo sueco que se chamava Saab Lancia 600, carro que veio tomar o lugar do velhinho 96 e foi vendido na Suécia e na Noruega em 1980. Porém, os tradicionais problemas com a ferrugem dos seus carros, transformou esta odisseia num pesadelo: o carro foi considerado, estruturalmente, incapaz para os invernos escandinavos e ganhou má fama, de tal ordem que a Saab parou as vendas em 1982, substituindo o carro italiano pelo 90/900 em 1984. Hoje, o Saab Lancia 600 é um carro raríssimo, pois foram feitas poucas unidades e poucas foram as que sobreviveram.
A Lancia decidiu recorrer, uma vez mais, a Giugiaro para criar o Prisma, um Delta com traseira. O carro nasceu em 1982, sendo exatamente igual ao Delta até à bagageira, sendo o Prisma mais comprido que o Delta 25,4 cm. Curiosamente, foi um sucesso imediato, particularmente, fora de Itália.
O primeiro “restyling” do Delta surgiu em 1982. Nada de substancial, uns retoques na estética, novas jantes e o belíssimo motor 1.6 litros com versões de 105 e 130 CV, esta última com a ajuda de um turbo. Mantendo a tração à frente, foram estas versões que forjaram o futuro da Lancia em termos de performances.
Competição desde cedo
Se o Beta foi a base para o 037 do Mundial de Ralis, o Delta ofereceu o seu nome para o S4, o carro de grupo B que não tinha nenhuma semelhança com o Delta de estrada. O Delta S4 era um compêndio de tecnologia, com o motor 1.8 litros de duplo veio de excêntricos à cabeça e dupla sobrealimentação, graças a um enorme turbo e a um compressor volumétrico. A potência “oficial” era de 450 CV, mas há relatórios que dizem a potência estar mais próxima dos 500 CV. Para chegar aqui, a Lancia teve de fazer 200 unidades “Stradale”, ou seja, homologadas para andar em estrada. A produção começou em 1985 e os números de produção diferem bastante. Há quem diga que foram 50, outros 25, sendo que a estimativa oscila entre os 45 e os 150 carros produzidos, bem longe dos 200 exigidos.
E antes que o Delta desse origem aos carros que dominaram o Mundial de Ralis, a Lancia lançou o Delta HF Turbo, um carro de culto que recebeu algumas alterações estéticas (que ficariam para os restantes modelos desportivos) como as saias laterais, a grelha com vivo vermelho e a inscrição HF Turbo, dois espelhos retrovisores exteriores, jantes de liga leve da Cromodora com 14 polegadas e pneus Pireli P6. O motor tinha 140 CV.
Os Delta 4WD
Entretanto, olhando para o sucesso que o Panda 4×4 tinha em certas regiões e o Y10 estava quase a receber um sistema idêntico, a Lancia decidiu oferecer ao Delta uma versão de quatro rodas motrizes denominada Delta HF 4WD, revelado no Salão de Turim de 19086. Estavam os homens da Lancia longe de imaginar que este seria a primeira máquina dedicada aos ralis no agrupamento de Turismo (Grupo A). Na época, tendo como farol a performance, o Deta HF 4WD recebeu um motor 2.0 litros “bialbero” com sobrealimentação que debitava 165 CV. Foi nesta altura que surgiu, também o primeiro diesel na gama do Delta, um 2.0 litros turbo com 80 CV, vindo do Prisma.
O acidente no Rali de Portugal com o Ford RS200 de Joaquim Santos em 1986, foi o detonador do fim dos velozes, espetaculares, mas perigosos Grupo B. Os pilotos retiraram-se da prova (ganhou Joaquim Moutinho com um Renault 5 Turbo) e com mais um acidente mortal na Volta à Córsega, a FIA decidiu acabar com o Grupo B e baixar a fasquia do Mundial de Ralis para os carros derivados da produção em série, os Grupo A.
A Lancia surgiu, imediatamente, com um carro ultra competitivo, o Delta HF 4WD cujas maiores diferenças para o carro de estrada residiam nos faróis duplos dianteiros – um clássico no tuning destes carros – a dupla entrada de ar que no carro de estrada estava escondida atrás da chapa de matrícula e os acessórios interiores para a competição. Bem longe do Delta S4 e nada agressivo como outros carros da mesma regulamentação. Sem surpresa, a Lancia foi campeã do Mundo de Marcas em 1987.
Mas o HF 4WD era pouco para manter a matilha de rivais atrás de si e a Lancia percebia isso e ainda em 1987, lançava-se na realização de versões especiais para homologação. O primeiro foi o Delta HF Integrale, com o motor de 2.0 litros a debitar 190 CV, tração integral modernizada, vistosos alargamentos das cavas das rodas e uma frente “esburacada” para melhor arrefecer a mecânica. Dois anos depois, a Lancia lançava em março de 1989, o Delta HF Integrale 16V, uma versão mais potente que superava os 200 CV.
Foi em 1991 que a Lancia fez o derradeiro “restyling” ao Delta, quase 12 anos depois do lançamento. A gama passou a ter apenas três carros (LX, GT ie e HF Turbo) e ligeiríssimas diferenças para o anterior modelo. O bloco 1.3 litros desapareceu dando lugar a um 1,5 litros e o HF Integrale 16V deu o seu lugar ao Evoluzion (ou Deltona como é conhecido) em 1991, embora tenha deixado no HF Turbo os faróis de dupla ótica, o capô motor com a bossa que existia para albergar a cabeça de 16 válvulas, deixando o HF Turbo muito semelhante ao Integrale. Em 1992, os carros receberam catalisadores e com interiores mais aprumados.
Entretanto, a Lancia foi “envenenado” o Delta e depois do HF Integrale 16V (Salão de Genebra de 1989), chegou o Evoluzione (Salão de Frankurt 1991), ou “Deltona” e, mais tarde o Evo2 (apresentado em junho de 1993). Este último tinha 215 CV e 314 Nm. A verdade é que o Delta estava a chegar ao limite: nasceu em 1979, foi remodelado em 1986 e recebeu a ultima alteração em 1991, ou seja, quando surgiu o Deltona, no final de 1991, já o Delta tinha quase 12 anos. E até na competição, era chegada a hora de parar e em 1993, foi o canto do cisne para os Integrale nos ralis, após 46 vitórias e seis títulos consecutivos de construtores. Esta geração do Delta, acabou em 1994, 14 anos depois do lançamento. O que se seguiu tentou desviar a casa italiana do seu ADN.
A segunda geração Delta
A segunda geração do Delta foi apresentada no Salão de Genebra de 1993, assente numa evolução do estilo original, mais arredondado e com o objetivo claro de transformar a Lancia numa marca de luxo até ao final da década de 90. Apesar das alterações promovidas, a silhueta original desenhada por Giugiaro era reconhecível. Mesmo que nada tenha sido aproveitado do anterior modelo. Porém, esperava-se mais da Lancia e esperava-se mais desta mudança para o segmento dos modelos Premium ou de luxo como se dizia na época.
A segunda geração ficou muito aquém da primeira e a explicação reside em duas causas: primeiro, o estilo não cativou porque se esperava algo diferente e, segundo, a Lancia rejeitou a herança da competição na tal busca de uma identidade diferente. A marca de Turim ainda fez algumas versões desportivas como o HF, mas não tinham nenhuma chama e rapidamente se tornaram o escárnio da indústria. Sete anos depois da apresentação, em 2000, a Lancia acabava com o Delta e decidiu não o substituir n imediato.
Terceira geração Delta
Acreditando que a memória fosse curta, a Lancia deixou escoar na ampulheta do tempo oito anos, até trazer de volta á vida o nome Delta. Quis a Lancia que os adeptos se esquecessem do passado desportivo do modelo e das conquistas nos ralis, lançando um carro que quis ser luxuoso e Premium. Mas, na esteira de tantas e tantas realizações italianas do grupo Fiat, o dinheiro era curto, não havia possibilidades de fazer um carro novo, pelo que pegou no Fiat Bravo e pediu ao Centro Stile Lancia que desenhasse um carro que coubesse no Bravo. Começou, logo nos primeiros passos, o fim do terceiro andamento do Delta.
Quase ninguém gostou do estilo da terceira geração do Delta, mas Fiat continuou a acreditar que tudo estava bem e até o ofereceu à Chrysler para o vender no Reino Unido entre 2011 e 2013. Um autêntico fiasco, pois todos sabiam que o carro era um Lancia, marca que tinha abandonado aquele mercado em 1993, devido às vendas muito baixas dos seus produtos. A confiança da Fiat era tanta que pensou em vender o carro nos EUA com o nome Chrysler e chegou a apresentar o carro no Salão de Chicago de 2010. Claro que o projeto não foi para diante e sem nenhuma glória ou homenagem, o Delta desapareceu da gama Lancia em 2014, trinta e cinco anos depois da apresentação do primeiro carro no Salão de Frankfurt de 1979.
Os especiais
O Prisma também recebeu tração integral, mas o motor era o 1.6 litros, exceção feita a uma unidade encomendada por Gianni Agnelli, o dono da Fiat, que pediu à Abarth se lhe fazia um prisma com motor turbo 2.0 litros com 200 CV, tração integral. Não tinha nenhum ornamento exterior que o identificasse, exceto as jantes de liga leve do Thema, perfeitamente banais e um “tuning” de época. Pintado de azul escuro, era o carro que o patrão usava para não dar nas vistas quando andava por Turim.
Uma vez mais, foi Gianni Agnelli que forçou a Lancia a fazer-lhe um carro – ele que adorava a marca turinesa – único, no caso, um Deltona… descapotável! Como gostava de andar com carros rápidos como os Ferrari ou o Lancia Delta “Deltona”, Agnelli queria rolar em Saint Moritz de Delta com os cabelos ao vento. Foi assim que nasceu este modelo único de dois lugares descapotável. Não se sabe quanto tempo levou a fazer nem quanto custou, mas sobreviveu ao seu proprietário e hoje descansa no Museu Internacional do Automóvel de Itália, em Turim.
O carroçador italiano Zagato teve a ideia de desenhar um desportivo de duas portas com base no Delta e foi acompanhado na ideia pelo importador holandês da Lancia, Paul Koot, que aceitou financiar a ideia da Zagato na transição para a produção em série. O carro foi apresentado no Salão de Bruxelas com o nome Hyena. Era um coupé muito semelhante a outras produções de Zagato – com o mesmo pilar dianteiro inclinado como surgiu, depois, no Alfa Romeo SZ e o tejadilho com dupla bolha – carroçaria feita em alumínio e fibra de carbono, reduzindo o peso em cerca de 205 kgs face ao Delta. A Lancia, numa primeira fase, aceitou o projeto e fornecer as peças para que a Zagato construísse o carro numa série de 500 unidades, mas depois optou por tirar o tapete ao projeto e Zagato e Paul Koot ficaram com o “menino” nos braços. Ambos encontraram forma de reduzir a aventura a 75 carros, mas apenas 24 exemplares foram feitos e vendidos no Velho Continente e no Japão.
A Lancia fez um Delta HF Integrale Evolution2 chamado “Viola” devido a intensa cor violeta que estava pintado. Tinha uma evolução de motor que levava a potencia para os 237 CV, tinha diferenciais autoblocantes e uma nova embraiagem para o diferencial central. Bruno Maggiora tentou convencer a Lancia a fazer o carro, já depois de fechada a produção do Delta, mas não conseguiu e só existe um único modelo.
A Automobili Amos, em 2018, criou a versão moderna do Delta Integrale, denominado Delta Futurista, com 330 CV e a pesar apenas 1250 kgs. Foram feitos apenas 20 exemplares que custavam quase 300 mil euros.
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