Italdesign: 50 anos de revolução criativa
O que une a genialidade do traço do Golf I e a sofisticação da estética Lamborghini? E, já agora, a modernidade da cabine dos aviões ATR ou de um comboio de última geração numa megacidade chinesa? A resposta está no gabinete de design Italdesign, da Audi AG, que agora celebra 50 anos.
Estavam os protestos estudantis de Paris a menos de três meses de ocorrer quando dois jovens, um designer automóvel e um engenheiro, abriram um atelier à beira de uma Turim a fervilhar de energia com os desenhos entusiasmantes da Bertone e da Ghia e com a poderosa indústria automóvel local. Naquele mesmo país que ostentava com indisfarçável orgulho a Ferrari, a Maserati e a então recém-nascida Automobili Lamborghini, a Italdesign apresentava-se aos construtores a 13 de fevereiro de 1968 com uma proposta diferente e criativa. Era o início de uma das histórias mais brilhantes do automóvel.
Giorgetto Giugiaro e Aldo Mantovani cedo se envolveram na criação de um modelo que, sem grande contestação, poderá ser considerado a criação mais perene destes 50 anos de atividade que agora se cumprem. Logo em 1970 receberam um caderno de encargos “de calafrios” vindo da Volkswagen – nada menos do que conceber uma viatura “popular” para suceder ao Carocha… Giorgetto assumiu o desafio, desenhou um Hatchback como o mundo nunca vira e o nome escolhido foi “Golf”. Nascia assim, em 1974, o ícone dos pequenos familiares. E o resto é história… para a Volkswagen e também para uma jovem Italdesign que nascera há exata meia-dúzia de anos.
Do grande volume aos nichos
É histórica a ligação deste gabinete de design e engenharia com a Volkswagen. Mas, tal como hoje sob a gestão da Audi, nunca houve lugar a exclusivos neste trabalho de excelência. Entre os grandes nomes que começaram a acorrer ao estúdio criado em Moncalieri, surgiu Colin Chapman, que desafiou a Italdesign a avançar para um desportivo de dois lugares e carroçaria em fibra de vidro. E novo marco incomparável nasceu em Turim: o Lotus Esprit que Roger Moore conduziu na estrada e, convertido em submarino, no fundo do mar, em “The Spy Who Loved Me”, da saga 007. À sétima arte chegou outro automóvel nascido nos estiradores da Italdesign, o hoje muito estimado De Lorean DMC-12, protagonista em “Regresso ao Futuro”.
Da Italdesign surgiram ainda projetos como BMW M1 ou Ferrari GG50, mas a empresa não se ficou apenas por nichos, tendo assinado sucessos para os compatriotas do Grupo Fiat, tais como Lancia Delta, Fiat Panda, Uno e Punto, não esquecendo o projeto Alfasud. Tudo somado, a companhia de Giugiaro e Mantovani, concebeu centenas de modelos que entraram em produção a nível global, superando as 60 milhões de unidades fabricadas. Claro que, quando a gestão empresarial se junta ao talento e à paixão pelo automóvel, sobra sempre tempo para tudo. E o “tudo”, nesta história de exceção, inclui um dos mais belos concepts de todos os tempos, o Bugatti EB112, um GT de quatro portas que se destacou, entre outras coisas, por reinterpretar à luz dos tempos modernos as linhas icónicas da marca nascida na Alsácia. As linhas foram traçadas sem qualquer limitação criativa, em “completa liberdade”, assegurou Giorgetto Giugiaro, sendo também por isso um dos trabalhos mais claros da inovação que tem caracterizado estes 50 anos.
Entre os sonhos da Italdesign, foi o Bugatti EB 112 o chamado à capa da biografia do mais célebre dos dois co-fundadores da Italdesign. Razões sobretudo financeiras, numa altura em que a Bugatti ainda não fazia parte do portefólio da Volkswagen, implicaram que este carro esteja cingido a um par de protótipos identificados.
Foi também da casa de Moncalieri, hoje com 50 mil metros quadrados de instalações, que saiu, há duas décadas, o Volkswagen W12 Coupé – também conhecido por Volkswagen Nardò, em alusão à pista de testes sobranceira à cidade italiana de Nardò –, um protótipo de supercarro que juntava a um desenho que nos remete para alguns Lamborghini mais recentes o colossal motor W12. O corpo ficou-se pelo museu, mas o coração preencheu modelos como o VW Touareg, Audi A8 e Bentley Continental GT. A engenharia do motor W16 do fabuloso Bugatti Veyron deriva deste W12 criado pela Volkswagen.
Estava escrito nas estrelas que Giugiaro e a sua Italdesign iriam encontrar-se com o grupo Volkswagen na profícua aliança que tem gerado modelos de elite como o Lamborghini Gallardo. Ou, no cativante segmento dos SUV, as formas dos compactos Audi Q3 e Q2. O mais pequeno da gama Q resulta de uma cooperação entre Moncalieri e Ingolstadt: as formas exteriores, a aerodinâmica, ventilação, gestão térmica, segurança activa e passiva, e a integração eléctrica e electrónica, são pontos em que os engenheiros da Italdesign se coordenaram com os da Audi.
Uma visão abrangente
Mas a Italdesign é muito mais que automóveis, fruto de uma visão empresarial com grande angular. A empresa, uma das 1200 em 116 países com a distinção de “Top Employer”, sinal da excelência em Recursos Humanos – desde 2013 que implementa um acordo com os colaboradores segundo o modelo alemão de remuneração, flexibilidade do horário de trabalho e cobertura de saúde para estes e a sua família – acolhe quase um milhar de pessoas ligadas ao desenho para diversas indústrias, um quinto das quais entraram na empresa quando o grupo Volkswagen investiu pela primeira vez no capital dos italianos, em 2010.
Câmaras fotográficas da Nikon – da topo-de-gama dos tempos analógicos F4 à digital D4 –, a garrafa de água das 88 gotas criada em 1994 para a São Bernardo, relógios Seiko, placas de fogão da Arda, bicicletas e iates, saíram ao longo dos anos daqueles estiradores, numa estratégia de diversificação que alia os recursos criativos e de engenharia.
Entre os projetos fora da esfera automóvel encontramos o comboio de que deriva o Pendular utilizado no serviço de longo curso da CP em Portugal. Ou ainda a cabina “Armonia” da geração 600 do fabricante aeronáutico franco-italiano ATR, que fornece a TAP para a ponte aérea Lisboa-Porto. Em breve, quem visite a terceira cidade mais populosa da China continental, Guangzhou, poderá viajar num novo metropolitano de superfície desenhado pela empresa.
Um sonho que perdura
Apesar de ter abandonado a cadeira de presidente honorário e também a estrutura acionista em 2015, quando a Audi assumiu a totalidade do capital da empresa – já depois de ter adquirido uma posição de 90% em 2010, quando colocou a Italdesign sob a liderança da Lamborghini –, o mago que em Agosto se tornará octogenário perdura no carácter inovador incutido nos produtos ao longo destes 50 anos. Para mais, aquando da entrada em Bolsa, em 1989, o nome do criador foi transferido para o logo da marca, como o conhecemos ainda hoje.
Jörg Astalosch, que em 2015 transitou de homem-forte das finanças da Volkswagen para presidente-executivo (CEO) da Italdesign – sendo Walter de Silva o presidente –, reorientou a empresa para o design e engenharia para clientes exteriores e formação de novos talentos nestas áreas. A companhia é fundamentalmente um fornecedor de serviços transversal na indústria automóvel, dos estudos e concepts à exequibilidade da engenharia e desenvolvimento fabril. Do lado do produto há um olhar especial para automóveis desportivos de elevado preço e reduzido volume de produção.
No Salão de Genebra de 2017 surgiu o primeiro destes automóveis da nova divisão dos italianos, a Italdesign Automobili Speciali. Pensado para colecionadores, com apenas cinco unidades, o Italdesign Zerouno é um automóvel com características de competição – chassis modular em fibra de carbono e alumínio, motor 5.2 V10 da Audi a proporcionar uma aceleração dos 0 aos 100 km/h em 3,2 segundos e velocidade máxima de 330 km/h – e homologação para estrada.
Desde o início do projecto Zerouno, engenharia e design trabalharam em conjunto. No fundo, é este o segredo do sucesso que distingue a Italdesign de um mero gabinete de estilo. Foi essa a semente plantada em 1968 por Giorgetto e por Aldo. Alimentada ao longo de 50 anos, esta ideia inicial ganhou raízes e ainda perdura.
Italdesign Zerouno
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