Entrevista Roel de Vries (vice presidente marketing Nissan): “o futuro da Nissan é brilhante!”
A oportunidade de falar com aquele que é homem responsável pelo marketing, era boa demais para deixar passar e, assim, lá encontrei uns minutos para conversar com Roel de Vries, vice-presidente marketing e estratégia de marca da Nissan, durante o Salão de Tóquio. Uma conversa com um homem nascido há 51 anos na Holanda, que estudou engenharia mecânica na Hogeschool Eindhoven e, mais tarde, um mestrado em gestão de negócios na Universidade de Groeningen.
Curiosamente, o seu primeiro emprego não tinha nada a ver com automóveis ou com engenharia. Roel de Vries começou a trabalhar no negócio de família, uma pastelaria com fabrico próprio, mas em 1994, entrou para a Nissan Europe, no escritório de Amesterdão. Iniciava aqui uma vida inteira dedicada à marca japonsa: em 1998 foi destacado para a África do Sul, onde se tornou diretor de marketing e vendas, recordando o holandês esse tempo através de “alguns encontros com Nelson Mandela que me deixaram impressionado no que toca à sua abordagem à liderança e à necessidade de ter as coisas feitas apesar das circunstâncias.”
Em 2008, o holandês é enviado para a sede da Nissan em Yokohama e começa um trajeto ascendente graças a uma forma muito própria e profissional de ser. Em 2009 tornou-se no responsável pela planificação de produto para os mercados internacionais e chegou a diretor de programa da Nissan para todos os modelos de tração traseira da casa japonesa. Em novembro de 2010 foi nomeado vice-presidente da Nisan e responsável global de marketing e estratégia de marca e foi debaixo do seu consolado que a Nissan foi nomeada uma das melhores mundiais de 2014.
Apaixonado pelo “running”, golf e pelo esqui, Roel de Vries é um homem simpático, não sendo um “petrolhead” como confessa, adro o automóvel e o seu primeiro carro foi um Auobianchi A112.
A conversa com de Vries girou em redor de algo que parece um contrassenso: então queremos diminuir emissões e fazemos carros cada vez maiores, cada vez mais pesados? Não estamos a seguir o caminho errado com esta moda dos SUV? Entre sorrisos e algum espanto pela questão, Roel de Vries disparou “olhe, é uma excelente pergunta que até agora – e hoje já fiz algumas entrevistas – ninguém me tinha feito. Parabéns!” Sem se deter, o vice presidente para o marketing e estratégia de marca da Nissan, sustentou que “o mercado é isto que procura. Claro que podemos pensar que os carros são grandes, mas e os conseguirmos fazer todos elétricos e cada vez mais autónomos, estamos no coração da procura e as dimensões e os pesos não são preocupantes. Percebo que na Europa as coisas seja um nadinha diferente, mas somos uma marca global e nessa abordagem macro, o Ariya que aqui apresentamos (Salão de Tóquio, ndr) está dentro do segmento mais vendido no mundo! Por isso, a questão do tamanho não se coloca com essa importância.” E lembrou de Vries que “até no Velho Continente, os modelos que mais se vendem são do segmento do Qashqai e do X-Trail. São muito, muito populares!”
Quer isso dizer que a Nissan não vai deixar de apostar nestes segmentos e que o Ariya é uma forma de anunciar isso. “Sim, é verdade. Queremos ser uma marca elétrica, mas queremos estar no ‘mainstream’ pois com o Leaf, por exemplo, estamos num segmento de nicho.” Nicho? “Sim, na Europa existe uma procura relativa por ‘hatchbacks’, quase desapareceu o interesse pelos sedan, mas a verdade é que todos querem é crossover e SUV. Ora, o Leaf precisava de ser um SUV para deixar de ser um modelo de nicho. Com o Ariya damos o passo em frente e criamos um crossover elétrico que nos coloca no segmento mais vendido.”
Voltei a insistir: não entende que há países onde será complicado ter modelos autónomos destas dimensões, por exemplo, em Portugal sem produzir acidentes. Não acha que seria uma boa ideia aproveitar o facto dos carros elétricos não terem os constrangimentos do motor de combustão interna, transmissão complicada, túnel central, enfim, muito mais espaço habitável para reduzir dimensões.
Roel de Vries respondeu com um enorme sorriso “amanhã estará no nosso centro de estilo e verá que o Ariya não está sozinho e que temos uma gama de produtos elétricos com base no estilo do Ariya. Não sei se já conversou hoje com o Alfonso Albaisa, o nosso diretor de design ou com o Gio Arroba (expliquei que tinha falado com Giovanny Arroba), mas não ficaremos pelo Ariya. Verá que o futuro da Nissan é fantástico e que temos planos bem concretos.”
No fundo, Roel de Vries destacou que “os nossos planos de eletrificação vão muito mais longe e queremos levar a mobilidade elétrica a todos os segmentos. Mas quando falamos de segmentos, não quer dizer formas tradicionais, mas sim com a forma e o conteúdo que os clientes desejam. E o que todos desejam, é ter um SUV ou um crossover.” Mas por trás disso está outra ideia. “A tecnologia elétrica e a condução autónoma não são baratas e colocar essas tecnologias em carros pequenos, corremos o risco das pessoas não os comprarem e, claro, perdermos dinheiro.”
O vice-presidente da casa de Yokohama deixa claro que “percebo que na Europa as coisas sejam diferentes do resto do mundo, mas como já lhe disse, amanhã verá aquilo que temos preparado e conhecerá os nossos planos para o futuro com modelos elétricos mais pequenos e adaptados a todos os mercados.”
Roel de Vries deixou claro que “o que quisemos fazer com o Ariya foi lançar um carro global que tivesse impacto na mobilidade elétrica.” Reforcei que a minha questão, sendo eu europeu, tinha a ver com o mercado do Velho Continente. “Eu percebi e por isso lhe digo que mesmo não podendo, de momento, falar sobre isso, você verá amanhã aquilo que temos preparado para o futuro da Nissan.”
Outra das questões esteve ligada, claro, ao sucesso que outros construtores estão a conhecer com modelos mais pequenos sem apostar demasiado nos SUV. Roel de Vries lembrou que “somos uma marca japonesa que opera globalmente. Outras marcas europeias, têm outra forma de trabalhar e tem de funcionar nos segmentos que lhe asseguram rentabilidade no seu maior mercado, o Velho Continente. Nós, da nossa parte, vendemos apenas 10% da nossa produção total na Europa, 25% nos EUA e outros 25% na China. E nesses mercados são este tipo de veículos como o Ariya que nos são exigidos, sendo os mais vendidos.” Fica, assim, evidente que a forma de estar da Nissan é um bocadinho diferente das marcas, nomeadamente, as europeias. “Claro que sim. Temos de usar os nossos pontos fortes globalmente e não pensar demasiado na Europa, pois não conseguimos, de forma nenhuma, combater os fabricantes locais e tentar fazer o que eles fazem. Um construtor japonês nunca conseguirá chegar a uma quota de mercado entre 10 a 15% e por isso temos de encarar o mercado europeu de outra forma. Apostando nas nossas mais valias: tecnologia, inovação e, naquilo que nos diferencia, termos criado o segmento dos crossover onde somos, realmente, muito fortes. Sendo certo que o nosso volume de vendas será sempre inferior ao que desejamos, temos de equilibrar a nossa oferta em todo o mundo. O Ariya cumpre essa função, mas como já referi, a nossa gama de produtos elétricos será abrangente, terá modelos mais pequenos e mais adaptados aos mercados co o o europeu. Amanhã verá isso mesmo.” Porém, Roel de Vries deixou claro que “não vamos fazer carros europeizados ou dedicados ao mercado europeu. Não é rentável e não faz sentido quando vendemos pouco mais de 10% da nossa produção no Velho Continente. Mas temos algumas surpresas que serão reveladas no futuro e que você terá a oportunidade de ver amanhã.”
A conversa tergiversou para a Aliança Renault Nissan Mitsubishi e Roel de Vries comentou que “claro, temos esta Aliança e o nosso aliado tem os seus planos para o mercado onde mais vende, o europeu e, claro, temos a opção de no futuro trabalhar em conjunto para ter produtos diferentes. Por enquanto não há nenhum plano específico nesse sentido.”
Naturalmente que questionei Roel de Vries sobre o sistema de extensor de autonomia a hidrogénio que a Renault apresentou de forma tranquila num comercial. Tem a Nissan acesso ao sistema? Interessa. “Bom, tenho de lhe dizer que toda a tecnologia da Aliança está disponível para todos os membros da mesma Aliança. Depois, cada marca tem a autonomia para escolher aquilo que mais lhe convém ou que mais lhe interesse. Na Nissan, escolhemos, claramente, dois caminhos: a eletrificação total como sucede com o Ariya e o Leaf e os modelos que vai conhecer e a motorização e-Power, onde o carro é movido pelo motor elétrico e tem um motor de combustão interna a funcionar como gerador. Razões para isso? Bom, desejamos focar-nos na mobilidade elétrica e na experiência de condução elétrica. E o nosso Nissan Inteligent Mobility tem como missão criar essa experiência. Estas são as nossas ideias. O hidrogénio é uma tecnologia que está disponível, mas a sua difusão é pequena.”
E de Vries lembrou uma conversa com os homens da Shell, parceiros da Nissan na Fórmula E. “Em conversa com eles, contaram-me que erigiram uma rede de abastecimento de hidrogénio na Alemanha e após 10 anos há menos de um milhar de unidades a rodar. Irrisório!” Por isso, para a Nissan, “o investimento é ainda demasiado elevado para dar retorno e ainda estamos nos primeiros passos da mobilidade elétrica, do ponto de vista dos utilizadores. Os modelos elétricos já têm uma autonomia aceitável, passam dos 300 km o que é assinalável e torna os modelos viáveis para um cada vez maior número de utilizadores e se conseguirmos um tempo de carregamento de 15 minutos para conseguir mais 150 a 180 km de autonomia, aumentaremos bastante o facto de interesse dos consumidores. A mobilidade elétrica tornar-se-á cada vez mais viável e interessante. Portanto, na nossa visão, ainda temos muito campo para crescer. As infraestruturas de carregamento, na Europa, estão agora a arrancar com vigor, os postos de abastecimento convencionais estão, cada vez mais, a aderir aos carregadores para veículos elétricos e começamos, finalmente, a ver sair modelos elétricos de marcas de volume, como a VW e outras.”
Quer isto dizer que a visão da Nissan sempre esteve correta. “Não somos arrogantes, mas acreditamos seriamente na mobilidade elétrica e o nosso Nissan Inteligent Mobility é o reflexo disso mesmo!”
Uma provocação a Roel de Vries. Se os construtores ajudarem na proliferação de postos de carregamento e eles forem espalhados um pouco por todo o lado, não haveria necessidade de tanta autonomia. “Estamos a trabalhar em todas as áreas ligadas à mobilidade elétrica e temos uma colaboração próxima com a Shell. Eles estão a instalar carregadores de 250 kW, algo que não é preciso pois não conseguimos carregar, para já, a mais de 150 kW, mas a ideia é coloca-los em cada vez mais postos de abastecimento e é curioso que a Shell quer encontrar forma de recuperar 200 km de autonomia em 8 minutos. Algo que seria fantástico.”
Seria, pois um estudo diz-nos que um cliente que vai reabastecer um carro convencional, entre o abastecimento, pagamento e a inevitável compra do jornal, uma prenda ou apenas um café, leva, exatamente, 8 a 10 minutos. “E a Shell confessou.me que fazem mais dinheiro nos postos de abastecimento com os cafezinhos, os jornais, as prendas ou o chocolatinho, que o depósito de gasolina ou gasóleo que o cliente acabou de atestar.”
Então, será que no futuro os carros vão ter menos autonomia, digamos, 200 km, menos peso de bateria e mais agilidade, com essa possibilidade de recarregar em menos de 10 minutos? “Tem toda a razão, se tivermos esses carregadores rápidos capazes desse tempo, seria uma belíssima ideia. O primeiro Leaf não tinha uma autonomia muito grande, mas os clientes continuam satisfeitos com ele e nenhum deles se queixou da autonomia. O problema, penso eu, é mais psicológico do que real. Porque a esmagadora maioria das pessoas que possa carregar o carro á noite, não terá problemas durante o dia e se tiver a oportunidade de carregar no local de trabalho, menos preocupações tem. Porém, esta ansiedade levará ainda algum tempo até desaparecer a mesmo ritmo que mais e mais pessoas conduzirem carros elétricos.” E a Nissan quando lançou o Leaf 64 kWh, não deixou de vender o 40 kWh que continua a servir a maior parte dos clientes. E se numa primeira fase todos queriam o Leaf com mais bateria, muitos mercados continuam a preferir o 40 kWh.” É um bocadinho como a ideia daquele que compram os carros de sete lugares… não precisam deles, “mas um dia quem sabe” e vendem o carro sem nunca ter usado os dois bancos extra. “Tem toda a razão, é isso mesmo!” Para Roel de Vries, “o pânico da autonomia é uma condicionante psicológica e a seu tempo acabará por desaparecer.”
O tempo escoava-se e ficava o suficiente para uma última pergunta. O Nissan Leaf liberta alguma margem de lucro? “Depende do mercado e deixe-me dizer-lhe que calcular o lucro num carro elétrico é muito complicado, pois como sabe, dependemos muitos do que se passa nos mercados e dos ‘Cafe’ (Corporate Average Fuel Economy ou média de consumo da gama de um construtor) que existem e das penalizações, dos incentivos, enfim, uma série de coisas. Mas posso dizer-lhe que, na Europa, hoje, o Leaf é rentável. E também lhe posso dizer que o Ariya, quando chegar ao mercado, será ainda mais rentável. Mas tenho de ser justo e dizer que o mercado dos EV está muito dependente dos subsídios ou dos apoios governamentais. Acreditamos que quando os volumes de vendas subirem, conseguiremos igualar os custos dos motores convencionais. Porque convirá não esquecer que os custos dos motores de combustão interna, para cumprirem as normas, vão começar a subir também. E os clientes não querem pagar esse aumento de preço. Como o custo dos modelos elétricos está, lentamente, a descer, acredito que a balança ficará equilibrada dentro de pouco tempo. E tenho a certeza que os modelos elétricos vão contribuir, a breve prazo, para o lucro final.”
Para Roel de Vries, “o automóvel tornou-se num aglutinador de tudo e mais alguma coisa que esteja ligado com tecnologia e dados, mais parecendo o sistema de info entretenimento um ‘smartphone’ com esteroides. Porém, isso é bom, pois cada disrupção é uma oportunidade. Como verá no Centro de Estilo da Nissan quando observar o futuro da Nissan. Verá que o futuro da Nissan é brilhante!”
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