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Um sinal de alerta de Luca de Meo: 13 milhões de empregos em jogo em toda a Europa

By on 26 Março, 2024

O cenário da indústria automóvel na Europa é desafiante… usando um eufemismo. Os tempos mudaram, o tabuleiro é diferente e as peças movimentam-se de forma mais rápida e incisiva. Os fabricantes europeus foram apanhados desprevenidos e a União Europeia abriu caminho, para que tal acontecesse.

Luca de Meo assumiu a presidência da ACEA Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis, associação que defende os interesses dos fabricantes e tem feito um trabalho interesse, alertando de forma bem clara para os novos desafios que os fabricantes enfrentam. O CEO do Renault Group lançou uma carta aberta onde faz o ponto de situação, alerta para os perigos, deixando recomendações e projetos para tentar revitalizar uma indústria que vive tempos decisivos.

A importância da Indústria para a Europa

A Carta Aberta começa com números pertinentes que valem a pena serem referidos e que mostram a importância da indústria automóvel na Europa. Com 13 milhões de empregados na Europa (7% dos

assalariados e 8% dos operários europeus), o setor automóvel representa 8% do PNB europeu, gerando 102 mil milhões de euros de excedente comercial entre a Europa e o resto do mundo. É também uma importante fonte de receita para os governos (e Portugal é um dos exemplos disso), com 392 mil milhões de euros, representando 20% das receitas fiscais da UE. A Indústria é também um polo dinamizador de tecnologia, como 59 mil milhões de euros investidos em Investigação e Desenvolvimento, 17% do total das despesas de I&D, incluindo o setor público, e 26% das despesas somente da indústria.

O tabuleiro mudou e a Ásia tem agora muito mais peso

É escusado mascarar que a indústria automóvel tem um peso muito grande nas contas da UE e está agora sob “ataque” externo, ficando vulnerável. Segundo a carta de Luca de Meo, “o centro de gravidade do mercado automóvel mundial deslocou-se para a Ásia. 51,6% dos automóveis novos de passageiros são vendidos nesta região do mundo. Este valor é o dobro do registado na América do Norte e do Sul somadas (23,7%) e na Europa (19,5%).” A questão chinesa apanhou todos desprevenidos, com a China a ganhar um papel fulcral na nova mobilidade, graças à aposta séria nos veículos 100% elétricos. Os 8,5 milhões de automóveis elétricos vendidos em 2023 na China, segundo a Associação Chinesa de Automóveis de Passageiros, representam 60% do total das vendas mundiais). Se o mercado chinês, só por si, já é forte, a China já conquistou uma quota de mercado de cerca de 4% na Europa em 2022. Em 2023, cerca de 35% dos automóveis elétricos exportados no mundo eram chineses. Isto mostra que em pouco tempo, as marcas chinesas como a BYD e a MG conseguiram entrar no mercado global e ter boa aceitação. Como consequência lógica, as importações europeias provenientes da China quintuplicaram desde 2017. Este fato contribuiu para um aumento acentuado do défice comercial entre a Europa e a China: duplicou entre 2020 e 2022, aproximando-se dos 400 mil milhões de euros.

Qual o principal desafio? Uma mudança de mentalidade

Luca de Meo destacou os seis principais desafios que os fabricantes enfrentam: A descarbonização (com um investimento de 252 mil milhões de euros autorizados entre 2022 e 2024), a revolução digital (com o software dos veículos a ver um aumento de 20% para 40% do custo de um automóvel até 2023), a volatilidade tecnológica que nesta fase é ainda maior, tal como a volatilidade dos preços das matérias-primas (em dois anos, o preço do lítio foi multiplicado por doze e depois dividido por dois) e a formação dos empregados para novos procedimentos e novas técnicas que toda esta revolução necessita. Mas o ponto no meio de todos estes desafios, talvez o maior foco desta carta, é a da regulamentação. Segundo de Meo, entre 8 e 10 são aprovadas a cada ano. ” Querem-se automóveis mais sofisticados e mais sóbrios, e, ao mesmo tempo, mais baratos. Os requisitos ambientais e sociais implicam uma série de testes e controlos a realizar e novas normas a cumprir. Este fato já surtiu um efeito totalmente contraproducente: os automóveis de passageiros tornaram-se, em média, 60% mais pesados. Desde os anos noventa, esta política favoreceu objetivamente os modelos premium e prejudicou os modelos populares. Para se adaptarem a estas exigências, os construtores não só deslocalizaram a sua produção

(40% dos empregos perdidos em França e a mesma tendência em Itália), como também venderam os seus automóveis a um preço mais elevado (+50%). Consequentemente, o parque automóvel está a envelhecer perigosamente. A sua idade passou de 7 para 12 anos. O balanço global de CO₂ é negativo: foram as emissões dos veículos comerciais ligeiros as que aumentaram mais depressa (+45% desde 1990).”

Em vinte anos, o preço médio dos veículos citadinos passou de 10.000 euros para 25.000 euros. E o orçamento anual dos consumidores para a mobilidade pessoal (gasolina, manutenção, seguro e impostos) passou de 3.500 euros para 10.000 euros. Como o salário médio aumentou apenas 37% durante o mesmo período, a classe média está a abandonar o automóvel. Na Europa, as vendas caíram de 13 milhões de unidades em 2019 para 9,5 milhões em 2023. O que é fato é que andar todos os dias num veículo elétrico que pesa 2,5 toneladas é um disparate ambiental. O problema é que a regulamentação europeia (em matéria de segurança, emissões, etc.) teve um impacto negativo na rentabilidade do segmento dos automóveis pequenos. As suas vendas diminuíram 40% em vinte anos.

A regulamentação europeia visa melhorar a segurança e o aspeto ambiental, mas apesar de sermos pioneiros nisso, poderemos estar a perder argumentos face à concorrência que agora pensa de forma diferente.

A China como exemplo a seguir

O que isto implica? Uma forte mudança de mentalidade por parte de quem faz os carros e por parte de quem os regula. Até porque, segundo de Meo, a produção na Europa é mais cara. Um automóvel do segmento C “made in China” tem uma vantagem de custo de 6 a 7 mil euros (cerca de 25% do preço total) relativamente a um modelo europeu equivalente. Esta diferença de valor é terrível. E a mudança de mentalidade vem também da forma como a China e os EUA ajudam as suas indústrias, com subsídios, e leis que são um balão de oxigénio para as empresas. A China é vista até como exemplo a seguir com “regulamentos que incentivam os fabricantes a melhorarem o desempenho dos seus modelos e a aumentar as suas vendas”. Um conjunto de estratégias que agora permitem à China controlar 75% da capacidade mundial de produção de baterias, 80-90% da refinação de materiais e 50% das minas de exploração de metais raros. Do lado dos EUA, a Lei da Redução da Inflação é também referida e elogiada, permitindo investir mais e melhor. Antes do IRA, um Gigawatthora exigia um investimento de 90 milhões de dólares. Atualmente, dezembro de 2023, este montante baixou para 60 milhões de dólares (10), em linha com o da China, enquanto a Europa se mantém num nível mais elevado: 80 milhões de dólares por

Gigawatthora.

O que fazer?

A carta de Luca de Meo apresenta recomendações e projetos para melhorar a situação. O conceito da Airbus voltou a ser referido. Relembramos que a Airbus foi criada como um consórcio de fabricantes de aeronaves europeus, com forte apoio dos estados envolvidos, para fazer frente à gigante indústria aeronáutica americana. A Europa tinha o conhecimento e a tecnologia, mas as fabricantes europeias não tinham dimensão para fazer frente à Boeing e à McDonnell Douglas. Com a Airbus, as fabricantes europeias juntaram-se e construíram o que é hoje a maior fabricante de aviões do mundo, posição que ocupa desde 2019 e que deverá manter por mais tempo, dada a crise da Boeing. Luca de Meo quer um plano semelhante nos carros.

Quer uma estratégia pensada por todos, quer que as regulamentações sejam repensadas, quer um plano para aprovisionamento de matéria-prima, um modelo de proteção da indústria europeia, sem nunca fechar as portas à China, com quem se pode (e deve aprender muito). Poderá consultar todas as ideias e todos os projetos nos links fornecidos.

Conclusão

O alerta de Luca de Meo é importante. Não podemos esquecer que a ACEA defende intransigentemente os seus interesses e que esses nem sempre estão em sintonia com os interesses e as necessidades dos consumidores. Não há dúvidas que há muita regulamentação, mas os carros estão agora mais seguros, menos poluentes graças a isso. É preciso encontrar o meio-termo, permitindo que a evolução continue, mas sem a indústria perder competitividade. Há muitas pessoas envolvidas e o enfraquecimento do mundo automóvel europeu é mau para todos. Estando a chegar a um período de eleições europeias, vale a pena ter este tema em conta. E que muitas das decisões que afetam o nosso dia a dia, são tomadas no parlamento europeu, talvez as eleições onde depositamos menos atenção. Mas neste momento específico da Europa, com tantos desafios, valerá a pena perder um pouco mais de tempo. O que Luca de Meo está a fazer é algo que outros não conseguiram: fazer-se ouvir. Mostrar de forma clara a posição da ACEA. E estes alertas, no mínimo, merecem ser escutados com atenção.

Pode ler a carta completa AQUI

Ensaios: consulte os testes aos novos carros feitos pelos jornalistas do Auto+ (Clique AQUI)