Benz 8/20 CV Grand Landaulet de 1910: agruras de um Chauffeur
Por Adelino Dinis
A fazer de conta de chauffer dos Fritz, descobrimos uma relíquia sobre rodas que repousava no Museu do Caramulo. Repousava é como quem diz, o Benz 8/20 cv de 1910 mostrou ser tudo menos pacato…
Gastão era perfeito,
Conduzindo o seu dono
No banco da frente feito
Às picadas dos mosquitos
Era Gastão “chauffeur”
A soldo de um tirano
Se travava de repente
Chamavam logo a polícia
‘Gastão era perfeito’ Canção de Zeca Afonso
Antes de mais, as minhas desculpas a Zeca Afonso pela vil apropriação de alguns versos de “Gastão Era Perfeito”. Tenho a certeza que, conhecendo a infeliz – e imaginária – história do nosso “chauffeur”, entenderia que foi por uma causa justa. É que o nosso Gastão era um bom rapaz, que se viu na contingência de estar ao serviço de um capitalista tipicamente desconfiado de tudo o que não domina. Para não o comprometer, vamos chamá-
lo de Fritz. Ora, Herr Fritz, rubicundo industrial e pai de família, bem sucedido e instalado num maravilhoso país chamado Portugal, decidiu, em 1910, comprar um automóvel. Depois de passar os olhos por um catálogo
da Benz, decidiu adoptar a marca fundada pelo seu compatriota Karl.
Escolheu o modelo 8/20 CV – o de menor cilindrada e potência – porque, apesar de rico, era sovina. Como gostava de dar nas vistas, escolheu a carroçaria maior, com o nome mais pomposo: Grand Landaulet.
Pouco ou nada percebendo de automóveis, Herr Fritz precisava de um “chauffeur” tanto quanto uma salsicha pede uma boa Lager, afinal há combinações só possíveis para espíritos teutónicos.
É aqui que entra o nosso Gastão, profissional do volante, recém-liberto de um patrão afável e destemido, que recentemente partira para o grande Salão Automóvel do Céu.
Fera amordaçada O primeiro contacto com o Benz foi de adaptação. A caixa de quatro velocidades era rara em 1910. O pedal do travão – que atua no diferencial – está colocado à direita, por troca com o acelerador.
Gastão entregou-se à tarefa de polir os metais da carroçaria, para que tudo estivesse perfeito para a estreia do automóvel. Herr Fritz, respectiva “Fraülein und kinder” ocuparam, com olhar desconfiado, o compartimento
traseiro. Este, generosamente revestido de pele e madeira, era sombrio, bem de acordo com a personalidade dos Fritz.
Gastão, depois de pressurizar o depósito de combustível, certificar-se que o carburador o recebia e atrasar a ignição, rodou com vigor a manivela ligada à cambota.
O Benz respondeu com dois soluços e um ronco que estremeceu os ocupantes, estabilizando a sua actividade por volta das três centenas de rotações por minuto. Um ralenti perfeito.
Gastão subiu para o seu desprotegido local de trabalho, soltou as amarras do engenho de metais e madeira – engrenando a primeira e libertando o travão de imobilização – soltando-o para o desconhecido. Ao trocar para
a segunda marcha, quando o Benz já ia a toda a brida, um grito lancinante atrás fez Gastão imobilizar o automóvel – utilizando para tal uma combinação do pedal do travão e da alavanca exterior, comandando os freios traseiros. Voltou-se dos de morte.
Depois de alguns momentos balbuciantes, Herr Fritz explodiu de raiva, explicando a Gastão que, sob nenhuma circunstância deveria este voltar a andar àquela velocidade loucamente vertiginosa. Ainda tentou argumentar que não chegara seguramente aos dez à hora, mas o patrão não quis ouvir mais. E Gastão cumpriu, impondo ao Benz um ritmo de passo. De tal modo que as criancinhas que viam a imponente máquina, começavam a persegui-la, ultrapassando-a rapidamente, enquanto diziam adeus. Era patético. Condução exigente O Benz era um bom automóvel para a sua época, apesar de não ser rápido. Gastão apreciava sobretudo a sua robustez e qualidade de engenharia.
Mesmo apesar de ter que fazer muita força para trocar de marcha, pela resistência mecânica das engrenagens. Os pedais, colocados quase horizontalmente, obrigavam a destreza de organista para se obter o melhor resultado. E era fundamental manter o depósito pressurizado, para que o precioso alimento do motor continuasse a fluir. O quatro cilindros, separados em dois blocos, tinha que se esforçar bastante para puxar a enorme carroçaria.
Os travões deviam ser acionados em conjunto para produzir algum efeito. E duas travagens fortes seriam suficientes para acabar com a margem de segurança. Mas, com um proprietário alérgico à mais pequena emoção
motorizada, o vertiginoso potencial de 65 km/h permaneceria inalcançável. Por isso, assumindo o patrão que lhe calhou em sorte, Gastão entregou-se fielmente à sua tarefa. Mesmo a dez à hora, ultrapassado pelas crianças
que acenavam, sabia que era um privilegiado. Era um “chauffeur”, que diabo! Um timoneiro do progresso! Avançou a ignição, convenceu a primeira a entrar e calculou metodicamente a mordidela da embraiagem, para
um arranque suave, como um milagre moderno. E o Benz parecia trautear: Gastão era perfeito, Conduzindo o seu dono A passo de parapeito Para lhe não tirar o sono.
CARACTERÍSTICAS
Motor Quatro cilindros em dois blocos, longitudinal dianteiro, uma árvore de cames lateral
Cilindrada (c.c.) 2.610
Potência Máx. (cv/rpm) 20/1500
Alimentação Carburador simples
Transmissão Traseira, caixa manual de 4 vel. não sincronizadas + MA
Direcção Sistema de sem fim
Suspensão Eixo rígido, com molas semi-elípticas, à frente e atrás
Travões Tambor nas rodas traseiras, comandado por alavanca; no
diferencial, accionado por pedal
Chassis Separado, com barras longitudinais. Carroçaria Grand Landaulet
Distância entre eixos (mm) 2780
Depósito de combustível (l) 60
Peso (kg) 1250
Velocidade Máx. (km/h) 65
Aceleração 0 a 100 km/h (s) n.d.
Consumo médio(l/100 km) 15/16
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