Breve história do volante: uma vida a andar à roda
A seguir à roda, o volante foi o mais importante contributo da ciência para o maravilhoso mundo do automóvel. Porque aquele que tem o Volante nas mãos, tem o poder.
Por Adelino Dinis
O volante é o mais humano de todos os instrumentos de controlo de um automóvel, porque tem por função estabelecer a ligação física e emocional entre a máquina e o condutor.
É por ele que passam as vibrações das rodas dianteiras em contacto com o asfalto, indicações preciosas para compreender o comportamento do veículo em cada momento.
Mas, sobretudo, é através do volante que o condutor dirige o automóvel. É o volante que transforma o banco do condutor numa espécie de trono. O mero mortal transforma-se num ser todo-poderoso, um super herói cujas limitações humanas são superadas com a ajuda de um hexo-esqueleto: o automóvel.
Neste país, singelamente espraiado sobre os tornozelos do Atlântico, somos particularmente sensíveis a este fenómeno: com um golpe de volante, sofremos uma metamorfose Bruce Banner/lncrível Hulk, no espaço de tempo que demora ligar o motor. Mas adiante.
Os primeiros volantes
Os automóveis começaram por não ter volante. A sua direccionalidade – pelo menos aquela que dependia do condutor – era assegurada por uma alavanca, semelhante ao comando de leme de um pequeno barco, mas na extremidade oposta. No triciclo de Benz, de 1885, a roda dianteira era assim comandada. Mas a peça circular, que se gira de um lado ao outro para comandar as rodas, aparecera já anteriormente, em veículos a vapor que poderíamos definir como ‘comboios de estrada’. Os pequenos automóveis dispensavam o peso desse sistema e só começaram a adotá-lo nos primeiros anos do século XX, a par de alguns outros, como o referido leme ou mesmo um guiador, mais associado aos veículos de duas rodas.
Estes primeiros volantes eram absolutamente verticais, possuindo na sua circunferência uma pega, para facilitar o “andar à roda”. Esta solução, a julgar pela prática de alguns condutores em utilizar a palma da uma mão para o mesmo efeito, poderia ter, ainda hoje, alguma razão de ser.
Com o tempo, o volante foi-se adaptando a um novo e curioso ramo da ciência: a ergonomia. À medida que os automóveis se complicavam, também se multiplicavam os comandos, em pedais e alavancas. Mas o volante continuava a ser o epicentro de todas estas (inter) faces da mesma máquina.
O comando da caixa podia aparecer como satélite do volante, e era conveniente ter a buzina “de sopro” (como os perfumes das senhoras) bem à mão, já que travar era mais complicado.
Por volta dos anos vinte, o volante tinha já incorporado outros comandos. Ainda não era o cruise control, nem volume do rádio – que chegariam umas décadas depois – mas antes as nobilíssimas funções de avanço e atraso da ignição, da qualidade da mistura (o famoso “abrir o ar”, que na verdade é “fechar o ar”.), e até mesmo um útil acelerador de mão, para dar descanso ao pé.
Nesse tempo, meus amigos, os automóveis ainda não estavam domados, e os melhores condutores, homens de força e coragem como já não há, eram chamados de. volantes!
Os volantes não são todos redondos
Os primeiros volantes não passavam de rodas metálicas, sem qualquer espécie de requinte. Poucos anos depois, o revestimento de madeira passou a ser de rigor, até à descoberta dos plásticos, coloridos e resistentes q.b., sem as dificuldades inerentes à madeira (qualidade da matéria prima e envernizamento). A baquelite, a partir dos anos trinta, dominou os automóveis populares, enquanto as marcas de prestígio continuaram a preferir a madeira, para os seus automóveis de luxo e desporto.
Outras variantes incluíam derivados de borracha, plástico e outros materiais, cada vez mais isolantes e económicos.
Na competição, que utilizou em exclusivo volantes de revestimento de madeira até meados dos anos sessenta, os volantes entraram em quarto minguante, depois dos anos
Cada vez mais pequenos e complexos (com ecrãs de LCD, comandos da caixa de velocidades e múltiplas outras opções), chegou a temer-se pelo seu desaparecimento. Alguns volantes de Fórmula Um eram tão pequenos, que mal davam para as duas mãos do piloto.
Estes volantes já não eram circulares, mas antes ovóides ou mesmo rectangulares ou em meia-lua. Na produção em série existiram algumas tentativas nesse sentido. O Citroen SM, produzido entre 1970 e 1975, tinha um volante oval, que servia bem a sua predisposição de ‘futuro paralelo’. Já os primeiros Austin Allegro, de 1973, tinham um volante quase rectangular. Mas como o resto do carro era tão mau, pode dizer-se que o volante era o menor dos seus problemas.
Numa época em que os volantes engordaram substancialmente, devido a uma dieta sobretudo à base de elementos de segurança passiva – desafio qualquer um a engolir um airbag sem ficar enfastiado – correm também o risco de desaparecer dos habitáculos dos nossos automóveis.
Sem ligações mecânicas entre o volante e as rodas, qualquer dia podemos entrar num veículo novamente com um pequeno leme – modernamente chamado joystick – para comandar as rodas.
Se nos primeiros automóveis podia ter alguma piada a tal ideia do leme – afinal de contas, era tudo novidade – mais de um século depois, poderia significar o fim do automóvel como o conhecemos. Se não vejamos, entre um volante ou o stick of joy de um qualquer ergonomista anónimo, qual deles preferia o leitor ter nas mãos?
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