Alfa Romeo Tipo 103, o “Mini” da Alfa Romeo
Nas suas memórias Giuseppe Busso escreveu que, se o projeto 13-61 tivesse chegado à produção, a Alfa Romeo teria conseguido lançar um “Mini” em 1956, três anos antes da BMC.
Por: Pedro Silva
Hoje sabemos que o projeto 13-61, um microcarro “tudo à frente” (motor anterior transversal e tração dianteira), nunca iria progredir das pranchetas de desenho e das tabelas de calculo de engenharia até às prensas das fábricas, pois o Alfa Romeo Giulietta, lançado em 1954, teve prioridade, desviou recursos e roubou as atenções. Mas, uns anos depois, o Tipo 103, o primeiro Alfa Romeo citadino de tração dianteira, iria conseguir chegar a protótipo e até completar toda a fase de testes de desenvolvimento antes de ser remetido ao museu da marca, onde pode ser visto nos dias de hoje, juntamente com três dos seus motores; de facto, até à data, o único Alfa Romeo citadino produzido foi o Mito, feito com base na plataforma e mecânica do Fiat Grande Punto.
Na realidade, o brilhante Giuseppe Busso começou a trabalhar em desenhos de carros pequenos de tração dianteira em 1946, época em que ainda era empregado de Enzo Ferrari, mas os estudos de 1948 e 1952 nasceram já com Busso membro do departamento de engenharia da Alfa Romeo. Ora, o estudo de 1952 foi o projeto 13-61, com motor transversal dianteiro de dois cilindros e tração às rodas da frente, pelo que, quando Rudolf Hruska, vindo da Finmeccanica, a empresa responsável pela coordenação da indústria mecânica do governo italiano e proprietária da Alfa Romeo na época, tomou posse do cargo de chefe do departamento técnico da marca de Arese em 1954 e disse a Busso que precisavam de fazer um microcarro, muito do trabalho de conceção e idealização já tinha sido realizado.
De imediato, Busso começou a rever os seus anteriores estudos, antes mesmo de existir uma autorização formal da administração, que só chegou em dezembro de 1954, mas a verdade é que os aspetos básicos do projeto, como, por exemplo, o tamanho do motor, só ficaram inteiramente fechados em 1957, depois de ser terem equacionado soluções como o motor boxer (viria mais tarde, nos anos sessenta) e a refrigeração a ar, que acabaram por ser descartadas. Assim, foi decidido que o Tipo 103 teria um motor dianteiro transversal de quatro cilindros com 900 cc de cilindrada.
Esse mesmo plano dizia que os desenhos finais deviam estar prontos até dezembro de 1958, para a produção em série arrancar em 1961. Todavia, Hruska acabou por deixar a Alfa Romeo em fevereiro de 1958 e o novo diretor de operações, Mangano, exigiu uma ligeira redução do tamanho do motor para 850 cc, denominando oficialmente o microcarro de “Projeto V”. Apesar das mudanças na gestão de topo da marca parecia que tudo corria dentro do planeado. Só que…
Giuseppe Busso acabou os desenhos do Tipo 103 no prazo, mas o protótipo só foi construído em 1960 e amplamente testado em 1962. O Tipo 103 era uma pequena berlina compacta de quatro portas e três volumes, com 3,630 m de comprimento e 725 kg de peso. O design, com a frente vertical, o capot com perfil em V a nascer do scudetto, que depois tem correspondência na tampa da mala, e uma generosa área vidrada onde se destacava o óculo traseiro envolvente, revelava já um estilo que se assemelhava muito ao que seria adotado para a berlina Alfa Romeo Giulia, evidentemente com outras proporções.
Com um chassis monobloco em aço, suspensão independente nas quatro rodas de molas e amortecedores concêntricos (os amortecedores ficam dentro das molas), travões com discos nas rodas dianteiras e tambores atrás, bem como tração dianteira com umas juntas homocinéticas especiais para otimizar o comportamento e as reações da direção (embora mesmo Busso as considerasse uma solução temporária), o Tipo 103 era extremamente moderno e avançado para a sua época; uma espécie de Mini com a modernidade e tecnologia de um VW Golf, isto quase 15 anos antes do salvador da VW ver a luz do dia. Melhor ainda, o motor de 856 cc (66 mm de diâmetro e 66,5 mm de curso) era uma derivação encolhida do famoso bloco Nord da Alfa Romeo, com bloco em ferro de camisas húmidas de aço, distribuição com dupla árvore de cames à cabeça acionada por corrente e cabeça em alumínio. Para facilitar a montagem transversal o bloco e o cárter da caixa eram construídos como uma unidade, a caixa tinha quatro velocidades sincronizadas e o motor debitava 52 cv às 5500 rpm, valor que permitia levar o Tipo 103 a atingir uns admiráveis 139 km/h de velocidade máxima; diz-se que o valor para a aceleração no quilómetro de arranque era de 41,2 segundos.
Como se pode ver, o Tipo 103 tinha características técnicas muito evoluídas para a época, com uma potência específica, performance e suspensão que ainda estariam no topo do segmento dos utilitários duas décadas depois. Inclusive, a fim de compensar o peso das bagagens, a suspensão traseira contava com uma inédita capacidade de ajustamento elétrico, para além da aerodinâmica ser bastante mais eficiente do que o desenho deixa transparecer, como as berlinas Giulia iriam provar uns anos depois; de resto, devido aos seus estudos aerodinâmicos, ao envolvimento na competição e à presença em ramos da indústria como a aviação e os caminhos de ferro, nos anos cinquenta e sessenta do século XX a Alta Romeo era um dos construtores automóveis com mais conhecimento do relacionamento entre o ar e os objetos em movimento.
Mas, então, porque não aconteceu? Por várias razões. Entre elas pressão exercida pela Fiat para a Alfa Romeo a honrar um pacto antigo existente entre ambas as marcas, em que a Fiat não entraria no mercado dos carros maiores e a Alfa se manteria ausente dos segmentos mais baratos. Por outro lado, em outubro de 1958, a Alfa Romeo e a Renault assinaram um contrato de cooperação. No âmbito desse acordo, a Alfa Romeo passou a produzir os Renault Dauphine/Ondine e R4 na fábrica de Portello, produção que se iria manter entre 1959 e 1966. Em contrapartida, a Renault era o distribuidor exclusivo da Alfa Romeo em França.
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