Primeiro ensaio Land Rover Defender: saiu melhor que a encomenda!
A tarefa assemelhava-se à escalada do Evereste; aceitar o desafio proposto foi anuir que uma guilhotina iria estar, permanente, por cima do pescoço; satisfazer os tradicionalistas e rimar fora de estrada com conectividade e os desejos dos novos clientes assemelhava-se a uma quadratura do círculo; enfim, a tarefa de substituir o Land Rover Defender era hercúlea.
O pior é que o Defender, cumpridos os estágios de projeto, industrialização e produção, encontra, agora, outra montanha para trepar. Montanha essa chamada “conservadorismo”, pois este é, na realidade, o substituto de um ícone. Um ícone forjado pelas suas capacidades fora de estrada, pela sua resistência à prova de bala e pelas idiossincrasias como a falta de conceito de ergonomia e incapacidade de receber as mais recentes atualizações de segurança.
O Defender era um jipe adorado por todos e muitos pagaram muito para comprarem um 110 ou um 90, na mesma medida em que justificar a sua compra era uma tarefa absolutamente impossível. O Defender era um instrumento de trabalho que foi sendo adaptado a uma utilização de lazer. Estava pensado para sobreviver no mais hostil dos ambientes e por isso, mesmo na versão de lazer, era demasiado bruto e desconfortável para ser utilizado quotidianamente.
Porém, e falo por mim, era um carro adorável e absolutamente desejável, o que explica, agora, os valores elevados como veículo usado. Percebem, agora, porque era tão complicado desenhar um substituto e que, agora que já chegou, a montanha continua alta e difícil de encalar?
O novo Defender tinha no caderno de encargos várias coisas: absoluta superioridade em termos de utilização todo o terreno; tinha de invocar o estilo do modelo original; teria de ser moderno no que toca á tecnologia, equipamento e conectividade, seduzindo como o anterior; ser capaz de cumprir as mesmas missões do original.
Estilo sedutor
Tenho de dar os parabéns a Gerry McGovern pelo desenho do Defender. E não, não me lembra nada o original – vá lá, a superfície vidrada recorda vagamente, os faróis e os farolins traseiros também, enfim, com algum esforço chegamos lá – mas tem uma interpretação moderna do carro que é brilhante. O equilíbrio entre as formas quadradas e arredondadas é perfeito, as quatro rodas estão colocadas nos extremos da carroçaria, com avanços curtos que nos deixam tranquilos quando exigimos muito fora de estrada.
O Defender deixou de ter eixos rígidos e carroçaria aparafusada ao chassis, sendo um monobloco imenso que tem uma enorme rigidez, o mesmo se passando com as suspensões. O Defender tem suspensões pneumáticas, partilhando conceitos com o original, mas apenas no que toca á ideia de robustez e eficácia.
Vamos a números! A plataforma do Defender é feita em alumínio com aço de alta qualidade e é tão rígida e resistente como a suspensão que a equipa de testes conduziu durante horas o carro a 40 km/h sobre passeios de cimento com 25 cm de altura! O Land Rover Defender 110, o carro que me foi entregue para este primeiro ensaio, tem um ângulo de entrada de 38 graus e 40 graus de ângulo de saída, cifras excelentes que fazem jus ao modelo original. Sobe pendentes de 45 graus e desce rampas de 47 graus, sendo capaz de passar cursos de água até 90 cm e todos os componentes elétricos foram testados e cumprem a norma IP67, ou seja, podem estar submersos 1 metro durante mais de uma hora sem sofrerem danos.
Interior como nenhum outro
Quem conhece o Defender original, ao entrar no Defender sentir-se-á numa cápsula do tempo. É um habitáculo muito diferente, com muito espaço e qualidade superior. Depois, joga com detalhes como o banco que pode ser instalado dentro do porta luvas e aumenta a lotação para seis ou para oito pessoas. Algo que é interessante, oferecendo uma opção ao Discovery. Espaços para arrumação são mais que muitos e com grandes capacidades, sendo que o porta bagagens, na versão de 5 lugares é uma verdadeira caverna.
O estilo, um pouco industrial, é muito diferente do que se poderia esperar de um carro cujo foco é andar fora de estrada. O Defender tem requinte, qualidade e depois tem os detalhes que o ligam ao original, por exemplo, a possibilidade de lavar o chão do carro, o espaço em frente ao pendura é limpo, a consola central é rígida e os revestimentos estruturais das portas. Por outro lado, os materiais são de qualidade e conseguem servir a oportunidade de calçar as botas cardadas ou o salto alto sem que se notem as diferenças.
Para vincar ainda mais a diferença para o antigo Defender, o Defender tem toda uma panóplia de tecnologia impressionante, oferece “head up display”, ajudas á condução, incluindo as câmaras que estão por baixo do carro e que tornam a chapa, motor e chassis “invisíveis”, permitindo perceber onde estamos a circular, enfim, um carro que não tem rigorosamente nada a ver com o original. E ainda bem!
Mecânica híbrida
O Defender 110 que usei neste primeiro ensaio utilizava um bloco de seis cilindros com 4.0 litros e hibridização suave de 48 volts, mas a gasolina. Um motor com 400 CV e 550 Nm de binário, cheio de força e ânimo, mas que tem como reverso da medalha consumos elevados. A Land Rover reclama entre 11,2 e 12,1 l/100 km em ciclo combinado debaixo do protocolo WLTP e emissões de 255 gr/km de CO2. Porém, em utilização, não consegui baixar dos 13 litros, um valor pouco simpático para um motor com hibridização, mesmo suave. É verdade que tem de “puxar” mais de 2,2 toneladas, mas é um nadinha exagerado. O Defender só existe com caixa automática e ainda bem, porque se comprar o opcional banco que nasce do porta luvas da consola central, seria uma confusão alcançar a alavanca da caixa…
Eletrónica que parece sobrenatural
O Defender era um carro… analógico, o Defender é um automóvel absolutamente digital que está sempre conectado e sempre atualizado. Ou seja, onde o Defender exigia um martelo e uma chave de fendas, o novo Defender só precisa de um poderoso processador e de uma lista de tecnologia que é verdadeiramente impressionante. A capacidade de processamento é fantástica e o sistema tem um modem de 100 mb que permite descarregar software durante a noite, com o carro parado e em segundo plano, sendo ativado quando se liga a ignição. Fica aqui um número que diz quase tudo: o novo Defender tem 85 unidades de comando central que são capaz de lidar com 21 mil mensagens de rede ao mesmo tempo!
Para andar fora de estrada, a Land Rover decidiu combinar as câmaras viradas para a frente, para trás e nos espelhos para fornecer uma imagem do que está em redor do carro, permitindo que todo o tipo de manobras. Junta a isso câmaras debaixo do carro que permitem transformar visível tudo o que é tapado pelo motor e pelo capô.
Comportamento… excelente!
Para mim, a melhor característica do Defender é… não ser um Defender! Eu explico: o Defender é supremo em fora de estrada, mas não parece, nem no aspeto, nem no comportamento em estrada. Ou seja, não há folgas na direção como num Jeep Wrangler, não há o bambolear das suspensões do Toyota Land Cruiser, enfim, mais parece um Range Rover que um Defender. O Defender tem tudo no local certo, não há oscilações dos eixos, não há o ranger do chassis, quer dizer, o Land Rover Defender é um SUV Premium de pleno direito.
Evidentemente que tem suspensões com curso longo, mas isso não impede que seja ágil, contribuindo para um elevado nível de conforto, deixando de lado a mania que a maioria dos engenheiros tem de oferecer aos SUV suspensões com pouco curso e duras, temendo a perda do controlo do movimento da carroçaria. Com este acerto, o Defender absorve quase tudo, o requinte e refinamento é pleno e andar em piso liso ou degradado é, praticamente, a mesma coisa. Impressionante!
E a verdade é que se não ensandecermos e quisermos andar como se anda com um Range Rover Sport SVR (a fundo!), o chassis controla os movimentos da carroçaria e tudo é facilmente controlável.
Evidentemente que o Defender não é um automóvel de luxo e por isso há aqui e ali umas brechas na armadura: a insonorização não é perfeita, a forma do Defender prejudica um pouco a performance.
Se em estrada parece um normal SUV Premium, quando deixamos o alcatrão para trás, o Defender transforma-se num carro totalmente diferente!
Valas, regueiras, subidas, descidas, cruzamentos de eixos, riachos, enfim, tudo o que possa pensar, o Defender encara tudo com ligeireza. O tempo não foi muito, mas ainda deu para uma incursão mais ou menos feroz por terrenos mais ou menos duros. Posso vos dizer que fiz muitos, mas mesmo muitos quilómetros ao volante do Defender e passei em locais que nem imaginam, como as duríssimas pistas de ensaios da Land Rover em Eastnor Castle, e mesmo assim fiquei boquiaberto com as capacidades do Defender.
O chassis, as suspensões, enfim, tudo o que faz parte das definições do Defender funcionam de uma forma harmoniosa sem hesitações e sem queixumes, com a eletrónica a ajudar de forma competente. Para andar em estrada, o Defender consegue adaptar-se de forma perfeita, fora de estrada é ainda melhor e honra de forma perfeita o ícone.
Veredicto
O Defender honra o Defender através do estilo “caixote” com superfícies arredondadas, das suas capacidades fora de estrada, pela versatilidade, sendo capaz de chegar onde os SUV Premium e de Luxo não conseguem, sem aquele aspecto carrancudo dos Jipes puros e duros. A Land Rover não seguiu o caminho da Mercedes com o Classe G e poderá com este Defender ter encontrado um rival para o modelo alemão. É um carro muito agradável de utilizar e de conduzir, eficaz, confortável e de qualidade. Irá à uma gala de “smoking”, vestido de noite, sapatos de verniz e de salto alto com a mesma elegância e competência com que calça botas cardadas e dispara pelo meio do campo. É um carro absurdamente caro pois a versão ensaiada com os extras custava 108 mil euros (!!), porém… adorei o Defender! Vale este dinheiro todo? Como não o posso comprar… não sei. Mas, se pudesse… já cá morava um!
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