Ferdinand Piech: factos e curiosidades de uma vida dedicada ao automóvel
Nascido no dia 17 de abril de 1937 em Viena de Áustria, Ferdinand Karl Piech foi o terceiro filho do advogado Anton Piech e da empresária Louise Porsche, filha de Ferdinand Porsche, o homem que fundou a Porsche e criou, por encomenda de Adolf Hitler, o VW Carocha. Todos membros do partido nazi. Cumpriu a sua escolaridade primária Áustria, completando a escolaridade entre 1952 e 1958, na Suiça no Liceu Alpinum Zuoz, perto de St Moritz e, depois, no Instituto de Tecnologia de Zurique. A sua tese final de curso foi sobre o desenvolvimento de um motor de Fórmula 1. Em 1963 começou a trabalhar para o seu tio, Ferry Porsche, na sede da empresa em Estugarda.
Em 1968, com 31 anos e responsável pelo desenvolvimento da Porsche, Ferdinand Piech decidiu gastar dois terços do orçamento anual da casa de Zuffenhausen para construir 25 unidades do Porsche 917, equipado com um motor de 12 cilindros refrigerado a ar com 600 CV e sem ser testado. Os membros da família quase se descabelaram perante esta ousadia do jovem Piech, acusando-o de ser irresponsável ao arriscar tanto dinheiro. Felizmente as coisas correram bem, mas Piech, muito mais tarde nomeou o 917 como “o carro mais arriscado da minha carreira!” O primeiro ano do carro foi um fracasso, mas depois o 917 tornou-se num dos melhores carros de competição de sempre e um dos mais bem-sucedidos carros da sua era. Venceu as 24 Hora de Le Mans em 1970 e continua a ser um carro idolatrado tantos anos depois.
Ferdinand Karl Piech nem sempre trabalhou na Porsche. O seu cargo de diretor técnico esfumou-se em 1972 quando o seu avô decidiu que todos os membros da família deveriam deixar os seus cargos de direção. Ferdinand Porsche não queria que as decisões sobre o negócio criassem mais fraturas na família – longe estava ele de perceber que essas fraturas perduraram durante décadas. Assim sendo, Piech decidiu criar uma empresa de engenharia em Estugarda, curiosamente, local das sedes de Mercedes e Porsche. E a Mercedes decidiu confiar à empresa de Ferdinand Piech o desenvolvimento de um motor de cinco cilndros diesel atmosférico, feito com base no existente quatro cilindros. Foi assim que Piech desenhou o bloco OM617 que se estrou em 1974 com o 240D 3.0 (W115) e mais tarde no 300SD (W116 e W126). Foi este motor que forjou a reputação da Mercedes de fazer carros e motores indestrutíveis e capazes de cumprir milhões de quilómetros. E apesar de ser um motor sem aparente capacidade desportiva, mas o OM617 com sobrealimentação e 190 CV, estabeleceu 16 recordes de velocidade na pista de Nardó montado no C111-IID.
Foram poucos os meses que Ferdinand Piech esteve a trabalhar como independente, pois em 1972 entrou na Audi e subiu na hierarquia de forma fulgurante, ao ponto de chegar ao conselho de administração como responsável da pesquisa e desenvolvimento em 1975. Neste cargo, reinventou a imagem da Audi e foi o responsável pelo crescimento da marca através da tecnologia. Em 1976 a Audi lançou o primeiro motor de cinco cilindros aplicado no 100 5E, uma arquitetura única que definiu a Audi no célebre Quattro e que ainda hoje mos modelos desportivos da Audi como o RS3 e o TT.
Um dos exemplos da forma de estar de Ferdinand Piech ficou plasmado no desenvolvimento do Audi 100. Preocupado com as fugas de informação e com algum engenheiro que pudesse sair da Audi e levasse consigo os segredos da aerodinâmica do carro. Assim, usou vários túneis de vento em Hamburgo, Estugarda, Wolfsburgo e Turim. Desta forma foram sendo juntas as peças do carro, formando um puzzle que só seria conhecido totalmente quando o carro foi lançado.
Piech estava na equipa que começou o desenvolvimento do carro a utilizar no Mundial de Ralis em 1977. A decisão foi utilizar o motor de cinco cilindros com sobrealimentação e a tração integral, oriunda do VW Iltis. Os testes feitos na Suécia foram determinantes nessa escolha. Nascia o Audi Quattro, que se estreou em 1980 e deixou uma marca indelével na história da marca alemã.
Quando chegou a CEO da Audi, em 1988, Ferdinand Piech foi forte influência para que a casa alemã lançasse um topo de gama, o V8. O carro tinha um estilo semelhante ao 80 e ao 100, numa jogada que não correu bem. As vendas foram um fracasso, mas a verdade é que o Audi V8 – que chegou a ser usado nas corridas de turismos! – lançou as bases para a credibilidade que a Audi necessitava para lutar no segmento Premium com a BMW e a Mercedes.
Curiosamente, a ligação de Piech á Porsche continuava a nível de negócio. O desenvolvimento do 989 com quatro portas, eliminava o motor de seis cilindros refrigerado a ar em favor de um motor V8 com refrigeração líquida. O Porsche foi cancelado em 1991 devido a problemas financeiros e a unidade de 4.2 litros V8 que seria usada era feito com base no Audi V8.
Em 1993, Ferdinand Piech chegou a CEO da Volkswagen, ocupando o lugar de Carl Hahn. Se alguns pensavam que esta seria uma forma de levar o já veterano executivo (56 anos) a uma reforma dourada, estavam todos enganados. Na época, a VW passava por um péssimo momento, com vendas em queda profunda e anos seguidos de perdas financeiras. Estava de joelhos quando Piech chegou para virar a mesa.
Os anos forjaram a capacidade de liderança (que alguns diriam ser quase cruel) e assim que tomou conta das rédeas da empresa, fez três promessas: otimizar a rede de fábricas do grupo, melhorar a qualidade de construção de todos os modelos e expandir a marca para outros segmentos. Despediu toda a gestão da VW, contratou os melhores engenheiros, muitas vezes de forma pouco curial, e deixou claro que todos teriam de implementar a sua visão antes do final dos anos 90.
Foi capaz de dar a volta à situação rapidamente e carros como a quarta geração do Golf, melhoraram de forma brutal a imagem da Volkswagen. Mas Ferdinand Piech queria muito mais e a VW tinha limitações e por isso, Piech desenhou uma estratégia para engordar o grupo e conseguir cobrir cada segmento do mercado. Armado com o dinheiro, entretanto ganho e com o apoio dos acionistas, lançou-se à caça no final dos anos 90. Num repente comprou Rolls Royce, Bentley, Bugatti e Lamborghini em 1988, adquiriu a Scania em 2000. Despachou a Rolls Royce para a BMW de forma célere e apostou forte nas marcas adquiridas, tornando-se muito mais bem-sucedidas depois de serem adquiridas pelo grupo VW.
Piech gostava de ter concorrência interna e tinha a convicção que a Volkswagen poderia, com o carro certo, competir com o Mercedes Classe S e o BMW Série 7 no segmento de luxo. Por isso, lançou o Phaeton, modelo construído numa fábrica envidraçada em Dresden. O modelo provou ser um fracasso, um projeto que não fazia sentido devido à marca Volkswagen. Foi um tremendo erro de Piech, onde a sua intuição a avaliar o mercado falhou redondamente. O orgulho e a teimosia de Piech fez o carro viver entre 2020 e 2016, sempre com resultados paupérrimos, sem que a VW conseguisse recuperar nem um terço do investimento feito.
Outro modelo emblemático do reinado de Piech é o Bugatti Veyron. A paixão pelo automóvel movia o austríaco e durante os anos 90 do século passado, foram lançados vários protótipos de supercarros. Em 1991, supervisionou o desenvolvimento de um carro com motor central traseiro, o Audi Spyder Quattro Concept. Não recebeu luz verde, mas foi por muito pouco. Mais tarde, chegou o Audi Avus com o motor W12, cujo motor acabaria por aparecer no Volkswagen W12 Concept apresentado em 1997. Este modelo chegou a bater vários recordes de velocidade na pista de Nardó, mas as dificuldades do Phaeton fizeram Piech recuar no lançamento de um supercarro VW.
Mas a ideia continuava na cabeça do engenheiro e a aquisição da Bugatti foi a oportunidade que ele precisava para levar o grupo VW para o segmento exclusivo dos supercarros. Desenvolvido a partir de uma folha em branco e com total liberdade em termos de engenharia. Com o seu motor W16, 8.0 litros com quatro turbos e 1001 CV, o Veyron tornou-se o mais potente e mais veloz carro de estrada do universo, quando foi lançado em 2005. Piech viu no Veyron uma homenagem aos Auto Union desenvolvidos pelo seu avô nos anos 30. Foi um sorvedouro de dinheiro e apesar do seu preço estratosférico, nunca foi rentável.
O derradeiro projeto de Ferdinand Piech na sua busca pela perfeição mecânica e na ocupação de todo o espaço no espectro automóvel, foi o XL1. Depois de lançar o Lupo 3L em 1999, que apesar de ter sido um fracasso em termos de vendas, mostrou claramente que um motor pequeno diesel colocado num carro leve e com a aerodinâmica otimizada, poderia ser muito económico e amigo do ambiente. O sucesso tecnológico do Lupo acabou ampliado pelo projeto XL1.
Tudo começou com o protótipo 1 Liter Car, protótipo que o próprio Ferdinand Piech conduziu entre Wolfsburgo e Hamburgo. A tecnologia e os materiais utilizados para concluir o carro tornaram o modelo absurdamente caro. Mas a teimosia de Piech levou-o a tudo fazer para que chegasse á produção. Mais dois protótipos foram feitos, o L1 em 2009 e o XL1 em 2011, anteciparam o modelo de série que surgiu em 2013, com o nome XL1. Tinha uma carroçaria esculpida em túnel de vento, dois lugares em tandem e um híbrido diesel elétrico. Era perfeito em termos de economia de combustível, mas a tecnologia levou o preço para os 111 mil euros, com produção limitada a 250 unidades. Mais uma megalomania que custou muito dinheiro á VW.
Ao longo da sua carreira, o episódio da compra da Porsche acaba por ficar na retina de todos. O desacordo entre as famílias Porsche e Piech ficou claro quando Ferdinand conseguiu o apoio dos acionistas da Volkswagen e comprou a Porsche em 2009. O anuncio foi feito numa altura em que Wendelin Wiedeking, o CEO da Porsche, tinha endividado a empresa de forma quase louca para concluir o processo de compra da VW encetada quatro anos antes. A ideia de Wiedeking era adquirir a VW e, assim, empurrar Piech para fora da liderança da casa de Wolfsburg. O choque frontal promovido por Wendelin Wiedeking contra Ferdinand Piech correu muito mal e debaixo do controlo da VW, ao primeiro nada mais restava que abandonar o lugar e desaparecer da industria automóvel.
Ferdinand Piech queria prolongar a sua influencia no grupo VW e conseguiu, vá lá saber-se como, que a sua esposa, Ursula Piech, uma ex-professora primária e governanta na família nos anos 80 do século passado, chegasse ao conselho de supervisão em 2012, ocupando igual lugar em 2012 na Audi.
Se a luta com Wendelin Wiedeking foi ganha sem problemas, a peleja com Martin Winterkorn foi uma derrota que custou muito ao austríaco, até porque foram os seus anteriores aliados (acionistas da VW e, particularmente, o estado da Baixa Saxónia) que decidiram apoiar o prolongamento de contrato de Winterkorn. Furioso, ele e a sua mulher resignaram aos seus cargos no grupo e dois anos depois, vendeu a sua posição acionista na Porsche SE (que detém metade dos votos acionistas da VW), avaliada em 1,1 mil milhões de euros ao seu irmão Hans Michael Piech. Foi o último ato de Ferdinand Piech, o brilhante e irrascível engenheiro austríaco, na industria automóvel. Morreu de forma inesperada um homem que deixou doze filhos (cinco da sua primeira esposa, Corina von Planta, dois da sua relação com Marlene Porsche, ex-mulher do seu primo Gerhard Porsche, três do seu casamento com Úrsula Piech e duas outras crianças) e uma forte impressão no universo automóvel.
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