Ferdinand Karl Piech: uma vida dedicada ao automóvel
Após a notícia da morte de Ferdinand Piech, não faltaram as reações ao desaparecimento de uma das mais importantes figuras do universo automóvel e da industria alemã, em particular.
“Faleceu subitamente e de forma totalmente inesperada” disse Úrsula Piech, a sua esposa, comentando a morte de um homem cuja vida “foi esculpida pela sua paixão pelo automóvel e pelos seus colaboradores, que o ajudaram a ser quem foi. Permaneceu um entusiasta da mecânica e um apaixonado pelo automóvel até à hora da sua morte.” Que aconteceu no passado domingo quando almoçava num restaurante em Rosenheim, na Baviera, quando desmaiou á frente da sua esposa. Foi levado para uma clínica próxima, mas não recuperou a consciência e faleceu poucas horas depois.
Herbert Diess, CEO da Volkswagen descreveu Ferdinand Piech como um técnico brilhante, um fabuloso líder, com coragem e bravura. “Piech trouxe-nos perfeição e atenção ao detalhe ao nosso processo de produção e colocou-os no ADN da VW.”
O seu primo, Wolfgang Porsche, referiu que “choramos a morte de Ferdinand Karl Piech, o extraordinário gestor e engenheiro, o estrategista ou simplesmente, o adepto ferrenho do automóvel. Eu e o meu primo partilhamos grandes memórias. Claro, a luta pela herança do nosso avô Ferdinand Porsche, que conseguimos levar para diante com sucesso.”
Já Hans Michel Piech, irmão de Ferdinand, referiu que “a vida e o trabalho do meu irmão fica acima daquilo que foi a companhia onde sempre trabalhou. Ele moldou a forma da indústria automóvel alemã mais que qualquer outro. Os nossos pensamentos e cuidados estão com a sua esposa e com os seus filhos. Choramos com eles e com os colaboradores do grupo Volkkswagen e todos os entusiastas do automóvel, que ajudaram a enriquecer a sua paixão pelo automóvel.”
O atual CEO da Porsche, Oliver Blume, lembrou que “a sua paixão pelos carros e o seu constante desejo para fazer avançar o progresso tecnológico, nunca será esquecida. Piech era um homem dos automóveis e através de decisões estratégicas arrojadas, lançou as fundações para o desenvolvimento e o sucesso da nossa companhia.”
Para Max Warburton, analista na Bernstein Research, “Piech ficará na história do automóvel como uma lenda, no mesmo patamar de Gottlieb Daimler, Henry Ford ou Kiichiro Toyoda.”
Foi debaixo da batuta de Ferdinand Karl Piech que a Vokswagen se tornou o gigante que hoje é. Quando chegou, a VW estava emaranhada em dívidas e problemas de qualidade e fiabilidade. O neto de Ferdinand Porsche (a sua mãe era filha do homem que fundou a Porsche e deu à luz o Volkswagen Carocha) tornou-se CEO da VW em 1993 e de imediato mudou toda a equipa de gestão. Reduziu custos ao convencer os sindicatos a aceitar uma semana de trabalho mais curta e planos para aumentar a produção nos dias de laboração. Com este trabalho de sapa, Piech inverteu a situação, tornou a VW lucrativa e passou a produzir produtos com maior qualidade sem que tivesse tido de cortar na força de trabalho de forma significativa. Conseguiu, assim, Piech ganhar a confiança dos sindicatos e dos acionistas da empresa, mantendo a sua ideia inamovível de produzir carros de superior qualidade e tecnologia avançada.
“Sempre me vi como uma pessoa do produto que acreditava no seu instinto sobre as exigências do mercado. O negócio e a política nunca me distraíram do meu objetivo e da minha missão: desenvolver e fazer carros atraentes.” Foi assim que Ferdinand Piech se caracterizou na sua autobiografia de 2002.
A coroa de glória da Ferdinand Piech foi a aquisição da Porsche em 2012, compra que acabou por virar a seu favor uma longa disputa com o seu primo Wolfgang Porsche, que tentou comprar a VW durante quatro anos, sem sucesso. Piech foi contra a família e ficou do lado da Baixa Saxónia – que tinha poder de bloqueio na estrutura acionista da VW – para rejeitar a oferta da Porsche no exato momento em que a casa de Zuffenhausen se endividou fortemente para concretizar a compra.
A união da VW com a Porsche foi uma espécie de regresso às origens da família onde Ferdinand Porsche foi comissionado pelo regime nazi para criar o original Volkswagen (carro do povo) em 1934. Mas Piech queria mais e desejava criar um império. Por isso comprou a Bentley e a Bugatti e trouxe para dentro do grupo marcas de produção em massa como a Seat e a Skoda e no final de 2012, o grupo VW era proprietária ou tinha a maioria das ações de 12 marcas, incluindo a Lamborghini, a MAN e a Scania e a italiana Ducati. Criou um monstro que se tornou o maior “player” europeu e se permitiu desafiar a Toyota como primeiro construtor mundial.
Mas Ferdinand Piech não era só virtudes. A sua obsessão com o automóvel e o seu desejo de ter os melhores carros sem olhar aos custos, acabou por custar muito dinheiro à Volkswagen. Os terríveis fracassos do caríssimo Volkswagen Phaeton, do impossível Audi A2, fizeram o grupo VW perder dinheiro em cada carro vendido. No caso do Bugatti Veyron, apesar do preço milionário, a marca francesa teria de vender o carro pelo dobro do preço para conseguir atingir o “brake even”. Um recorde negativo que pertence a Piech e á VW.
Ferdinand Piech era terrível quando perdia a confiança nos seus gestores. O caso mais flagrante foi o de Bernd Pischetsrider, o seu sucessor como CEO escolhido por ele. Quando entendeu que o alemão estava a rumar contra a sua ideia, não descansou enquanto não o empurrou para fora da administração da Volkswagen. Mas o que mais páginas encheu foi a luta pelo poder entre Piech e o seu delfim, Martin Winterkorn. O conselho de supervisão decidiu enfrentar o veterano engenheiro e colcoou-se do lado do CEO, numa votação sobre a extensão do contrato de Winterkorn, algo que ia contra o desejo de Piech. Perdeu o embate e, furioso, abandonou o cargo de presidente do conselho de supervisão e todos os cargos que detinha no grupo. Curiosamente, pouco depois, espoletava-se o Dieselgate que acabou com a carreira de Martin Winterkorn e custou à VW nada menos que 30 mil milhões de euros em mutas, indeminizações e outros encargos.
Ferdinand Piech e o seu primo Wolfgang Porsche sempre negaram ter tido conhecimento do assunto antes dele ser descoberto pelos americanos, mas a verdade é que todo o departamento de engenharia do grupo sempre apontou o desenvolvimento de uma cultura que não admitia o fracasso como causa do Dieselgate. Os membros do departamento de engenharia do grupo tinham mais medo de perder o emprego do que dizer a Ferdinand Piech que não conseguiriam atingir um objetivo, tecnológico, exigido por Piech.
O veterano executivo e engenheiro acabaria por vender a sua posição acionista no grupo á família por 1,1 mil milhões de euros e afastou, totalmente, do grupo e do negócio.
Ensaios: consulte os testes aos novos carros feitos pelos jornalistas do Auto+ (Clique AQUI)
0 comentários